18/02/14

Somos um copo medidor

Imagino o corpo de todos nós como um copo medidor. Um copo que nos foi dado sem instruções de uso, apenas vazio na expetativa que o enchamos de algo.
Na infância, dizem-nos, melhor ou pior, como fazê-lo. Às vezes falam-nos de amor. De respeito. De aventura. De partilha. Outras vezes dizem-nos para enchê-lo de competição e inveja. Ou de indiferença e impaciência.
Na escola, ensinam-nos a enchê-lo de conhecimento. Muito conhecimento. E a testá-lo a toda a hora. Os melhores são aqueles que têm o conhecimento a transbordar. Para que serve esse conhecimento todo, não sabemos ao certo, mas dizem-nos para encher o copo e nós enchemos, porque o contrário parece ser a condenação a um copo vazio.
Depois crescemos e trocamos o conhecimento pelo trabalho. Pela produtividade. É preciso encher o copo de sucesso profissional, dinheiro, carreira, visibilidade. É preciso pôr novamente o copo a transbordar de tudo aquilo que parece ser o mais importante na vida e, se isso não acontecer, cai-se no vazio da existência. De que serve um copo se estiver vazio? De que serve a vida, se não se for bem sucedido?
Até que, quem experimentou na vida o amor, o respeito, a aventura e a partilha, recorda-se de como isso era importante e saboroso, na infância (e talvez quem cresceu na competição e na inveja, na indiferença e impaciência, também o questione por fim). Recorda-se também do conhecimento. E pergunta-se se o copo, afinal, não poderá encher-se de várias coisas ao mesmo tempo. Afinal, de que serve o sucesso se não houver amor? O que é o trabalho sem respeito e aventura? O que é a vida sem a partilha? E então, sabiamente, começa-se a medir cada um dos ingredientes que se põe no copo. Não há uma fórmula igual a outra, por isso é preciso testar as combinações corretas, a dosagem adequada de cada coisa.
Com sorte, na velhice, o copo tem as doses certas de tudo o que precisamos. E, sabiamente, perguntamo-nos porque perdemos tanto tempo para chegar ali. Foi realmente necessário encher o copo tantas vezes de tanta coisa que não nos serviam? Terá sido realmente necessário lutarmos tanto para que ele transbordasse de algo que, na verdade, não nos fazia felizes? Porque ninguém nos disse, na infância, que não éramos um copo medidor por acaso? E que o objetivo da vida era encontrarmos a nossa justa combinação. Não um quanto, mas um como. Não uma quantidade, mas uma proporção. Não uma soma ou multiplicação, mas uma equação. Como podia a descoberta da fórmula da felicidade ser remetida para o final da nossa vida, se era ela que verdadeiramente lhe dava sentido e utilidade?
Pais que amam os seus filhos, dão-lhes na verdade tudo o que eles precisariam para ser felizes. É nas pressões da vida moderna, nas necessidades de um mundo consumista onde tudo é aferido pela produtividade, que se castra aquilo que, na verdade, seria (ou será, se ainda o quisermos) o nosso maior tesouro...



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