29/10/15

Ao meu corpo

Querido corpo,

sei que eu e tu nem sempre tivemos uma relação fácil. Já te julguei como uma limitação, uma prisão, uma imperfeição, porque já houve alturas em te dei excessiva importância, por achar que eu era o meu corpo e o meu corpo era eu. Por isso já te escondi, já te transformei, já te exibi e já te maltratei. Só porque não me era de todo fácil perceber que, de facto, eu não sou tu, e tu não és eu. E que tu és de uma enorme importância para mim – e por isso te quero amar e respeitar – mas não és o que eu sou. És apenas a única forma que aquilo que eu sou tem de viver esta vida. Permites-me respirar, correr, tocar, beijar, abraçar, falar, e até, de uma forma que me comove todos os dias, gerar outros corpos que sejam moradas para outros seres. E estou-te infinitamente grata por isso. Por seres o meu aliado nesta grande aventura.
E percebo hoje, também, que não posso exigir-te o que não me podes dar. Se não te cuidar, com as minhas ações e os meus pensamentos, não posso impedir-te de adoeceres e de te magoares. Assim como não posso impedir-te de envelheceres. És um corpo na Terra, essa Terra onde tudo nasce, onde tudo cresce e onde tudo morre. Mas é um privilégio enorme habitar-te e passar por todas essas fases contigo. Continuará a custar-me, muitas vezes, aceitar a tua fragilidade, e sobretudo a tua finitide. Não sei se habitarei outros corpos depois de ti, não sei o suficiente para perceber o que se segue à aventura que tu e eu tivemos a oportunidade de vivermos juntos. Mas não quero que os meus questionamentos me roubem o prazer de viver. A vontade de acordar em ti todos os dias e abraçar mais um dia de vida. Um dia com os seus desafios, às vezes enormes, difíceis de suportar, mas que fazem parte desta aventura e deste crescimento que é a vida aqui na Terra. E a única coisa que posso prometer-me, Corpo, é que vou tentar cuidar o melhor possível de ti, para que possamos ter tempo e saúde para nos focarmos naquilo que, de mais interessante, possamos retirar desta vida. Não posso impedir tudo, não saberei tratar-te em todas as dificuldades, mas tentarei, porque o mereces. Tens sido uma boa morada. E, no dia em que tiveres de perecer, para fazeres parte da terra que te gerou, hei-de rasgar-te um sorriso nos lábios, dar-te um último abraço e dizer-te Muito, mas Muito Obrigada.

Eu

1 comentário:

  1. Gostei muito deste seu texto, querida Sara.
    É importante agitar as consciências, pois poucos de entre nós honram e respeitam o templo sagrado que é o corpo, nosso veículo privilegiado de manifestação na Terra.
    Um grande abraço e...força com essas palavras.
    Mariana

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