10/03/13

Melodias que se atraem

De férias numa ilha paradisíaca, habituei-me a tocar flauta ao pôr do sol. Depois do calor tranquilo do dia. Antes do calor agitado da noite. No primeiro dia em que o fiz, um casal a habitar um apartamento vizinho ficou a ouvir-me da janela. No segundo dia, assomaram à porta. A partir do terceiro, já me esperavam, sentados nas suas espreguiçadeiras repousadas no alpendre. Sorriam-me e eu sorria-lhes. Até que, ao sétimo dia, que seria o último, metemos conversa. Eu era uma jovem a despedir-me da universidade. Eles eram um casal de reformados irlandeses que andava a viajar pelo mundo. Eu dei-lhes a minha música, e eles ensinaram-me a deles: uma melodia irlandesa, que me faria, para sempre, recordar aqueles pores-do-sol. Trocámos moradas. E dissemos uns aos outros que talvez um dia nos juntássemos novamente, num qualquer outro horizonte, ao som das nossas melodias.
Uns meses mais tarde, naquele que seria o meu último dia em Barcelona, estava ainda entregue à cama para recuperar da última directa que faria, para entregar um trabalho. Haviam sido meses loucos, de vida, de estudo, de experiências e coincidências imperdíveis. Estava exausta. Estava feliz. Foi quando, ao longe, ouvi uma melodia que reconheci de imediato. Uma melodia que se aproximava de mim, dos meus lençóis, da minha cama de cansaços felizes. Cada vez mais perto. Nas escadas, depois no hall, depois no meu quarto. Destapei o rosto, devagar, pensando tratar-se de um sonho. Mas não era. O casal irlandês que conhecera uns meses antes estava junto à minha cama, a cantar para mim. Encontrara a porta do prédio aberta e subira as escadas, cantando. Encontrara a porta do meu apartamento aberta, e procurara o meu quarto, cantando. Estavam ambos à minha frente, com o mesmo sorriso, noutro horizonte mas com a mesma melodia. Em mais uma das suas viagens, tinham resolvido procurar-me. E ali estavam, simplesmente, para me cantar. Levantei-me de pijama e abracei-os. Se faziam parte do meu sonho, era um sonho bom. A melhor forma de fechar aquele sonho que fora Barcelona.

Sim, a música ajuda-nos a ser quem somos. Sim, a música liga-nos de forma inexplicável aos outros. Se ousarmos tocar, e nos dispusermos a ouvir, somos melodias infinitamente ricas que se atraem, que se entendem, que se sorriem e se abraçam. Amanhã, voltarei a pegar na minha flauta e a tocar à varanda, para quem me quiser ouvir.


2 comentários:

  1. Bom dia,
    Só, ainda, li 2 posts seus, este e outro(coisas de pais e filhos), noutro blog, que me fez chegar a si.
    Que bem me deixaram, a sua escrita é esplêndida, que capacidade... muitos parabéns...
    Agora vou continuar a ler e conhece-la um bocadinho.

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