04/12/13

Aconteceu-me uma frase

Desceu-me sem aviso prévio, numa fila de supermercado, atrás de um carrinho entupido de alimentos sem vida. Legumes para a sopa, iogurtes, queijo e fiambre, pão. Sobrevivências. Sobreviveria eu sem alimentos? Sobreviveria eu sem as frases que me chegavam? Complexa equação, corpo-mente, fora-dentro, aqui-lá. Ping pong da vida onde só o jogo de forças faz sentido. Pender para onde? Para lado nenhum. Jogar.
Fiz-me à frase enquanto chegava o carrinho mais à frente. Era só uma frase, uma singela frase, mas chegara-me inteira, o mote para uma história completa que se desenharia sozinha. Desceria em golfadas, se eu o permitisse, escorrendo-me por entre os dedos, assim eu não me perdesse entre o que me vem e o que me vai nas intermitências da vida.
Porque me chegava ali, numa fila de supermercado, é que eu não sabia. Preparava-me há muito para o momento, entre leituras e reflexões variadas. Respirações profundas e caminhadas salutares. Procurando em mim o espaço necessário para receber uma história. Mas ela não quis que assim fosse, no momento que mais me conviesse. Afinal o que mando eu, se só manda ela? Quis a fila de supermercado para iniciar o jogo e assim era. Pegar ou largar. Era ela que sempre iniciava o jogo. Mas só eu, ganhando ou perdendo, podia terminá-lo. Talvez eu mandasse alguma coisa, afinal...
- Avance, por favor.
É a minha vez e preciso de uma folha onde escrever a frase, algo que me ajude a não esquecer.
- É só um momento.
- Há gente à espera.
Passei os legumes para a sopa, os iogurtes, o queijo e o fiambre e o pão com sementes. Passei-os sem os passar. Paguei-os sem o pagar. Meti-os no saco sem os meter. Voltei a pô-los no carrinho sem os pôr. Estava em jogo e não podia parar de jogar. Os alimentos seriam comidos. Mas as frases teriam de ser escritas. Entre o corpo e a mente, o fora e o dentro, o aqui e o lá. Às vezes esticando-me para lá do suportável. Mas enquanto há jogo, há vida. Recebo. Retribuo. Avanço. Vivo. E, definitivamente, enquanto a vida me deixar, escrevo.

1 comentário:

  1. E é por esta sensação de que sentes a escrita da mesma forma que eu sinto, que me dá um prazer imenso ler-te e ver o sucesso que tens alcançado :) Um feliz dia do livro :D

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